Por Joedson Kelvin
Quantas histórias cabem em um cabelo? Com quantos reflexos se constroem uma imagem? Por quais fios se faz um caminho em busca de si? Essas e tantas outras questões ecoaram na última quarta-feira, 21, na mesa-redonda: “Minha Raiz Importa: Racismos, Cabelo e Estética”, que integrou a vasta programação do XIII Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra.
O momento aconteceu na Universidade Federal do Cariri (UFCA) e o Limbo marcou presença, representado pela mediação da pesquisadora líder do grupo, Elane Abreu. A antropóloga e professora da Unilab-Ceará, Denise da Costa, e a artista capilar especializada em cachos, Rayssa Mateus, foram as grandes convidadas da noite.
Entre o prender e o soltar, entre a dúvida do crescimento para cima ou para baixo, pessoas racializadas se manifestam no mundo através de suas marcas ancestrais e identitárias. E o cabelo surge no mundo como um documento primeiro, que se antecipa em um tempo branco de captura; e como uma primeira impressão, que se (d)enuncia a partir de afirmativas ou negações.
Numa sociedade em que a escora de sua estrutura é a voz única da branquitude que dita o que é bom, valoroso e belo, o cabelo abrange uma profunda e infinita rede de relações que perpassa por lógicas sociais, econômicas, coletivas e individuais. Em todas elas, no entanto, um único pente esforça-se para dominar todos os fios: RACISMO.
Para a antropóloga e professora Denise da Costa (Unilab), as dinâmicas de cuidados e relações com cabelo são profundas. Fatores como tempo, poder econômico e beleza predominam nas experiências capilares de mulheres negras de Maputo, capital de Moçambique, local onde Denise desenvolveu parte de suas pesquisas. Segundo ela, cabelos na cidade africana são comercializados como itens caros de consumo, que chegam a custar aproximadamente um terço do salário das maputenses.
Em suas pesquisas por dentro e por fora do Brasil, a antropóloga tem o cabelo como um mundo de possibilidades, sem começo, nem fim, “um rio de muitos afluentes”. Como pesquisadora, não descarta a maneira pela qual o racismo puxa ou ameaça queimar “os fios” do pensamento. Sejam os presentes na superfície da cabeça ou dentro dela. Nas tratativas científicas sobre cabelo, ela tem sido questionada se, de fato, faz ciência: “Não sei porque o Estado financia uma pesquisa dessas”.
No mundo-cabelo, também há dúvidas e certezas, sons e silêncios, medos e desejos de liberdade. Rayssa Mateus, enquanto profissional do cabelo, contou que trilha caminhos formados por fios e texturas, e tece uma história de si atravessada de tantas outras. Os relatos de suas clientes revelam os inúmeros sentimentos que é assumir a raiz natural. São tomadas de sensações que vão de coragem ao medo, lágrimas de liberdade e, principalmente, incertezas sobre quem passa – ou volta – a ser quem é.
Do abandono das químicas ao reencontro com a raiz ancestral, os trânsitos e transições no mundo-cabelo despontam outras tantas questões estéticas. Os espelhos do mundo branco ditam padrões a serem seguidos, e assediam, de forma incansável, pessoas pretas, questionando seus traços faciais “desafilados” e a intensidade da cor de suas peles. Mas há muita resistência da parte de pessoas como Rayssa. Em mais uma noite especial do igualmente resistente Artefatos, ela falou das experiências de sua profissão e se colocou como protagonista do próprio cabelo. Ao performar com um espelho, disse que “reflexo é imagem”, e apontou para a possibilidade de mudar de ótica, e se ver a si recusando os padrões de um mundo de apagamentos.
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