Por Acácio Morais

Em Armadilha da Identidade, Asad Haider inicia seu texto apresentando a citação do filósofo marxista francês Althusser: “todos nós nascemos em algum lugar”. A afirmação possui inúmeras interpretações, no entanto, ela nos leva, de modo geral, a uma composição de identidade, principalmente ligada ao pertencimento. Partindo desse pertencer, os corpos possuem a insígnia de “ser de algum lugar” por meio da sua imagem. Usos de vestimentas, linguajares ou hábitos gastronômicos nos liga à sensação de espaço e território, situando corpos em distintos marcadores sociais.

Imagem e identidade conversam, e, mais ainda, quando chegamos à discussão corporal. Os intermédios que formam o lugar, o modo como se relacionam com espaços mais amplos, ou as estratégias de delimitação de poder, fazem parte de uma hibridização entre identidade-imagem-corpo. É preciso atentar para outro fator que contribui para essa compreensão híbrida, que é a marginalidade.

Para Eduardo Coutinho, marginalidade é apenas uma construção social, um pensamento que atravessa estigmas opressores, debates sobre coerção, poder e hegemonia. A marginalidade atua de diversas formas na área da comunicação, seja em imagem, som, vídeo, linguagens, símbolos, teorias e afins. Nesse sentido, é importante olhar para o corpo marginal como construtor de identidades, e como suas imagens fundam lugares de pertencimento.

Como forma de exemplificar esse pensamento, apresentamos uma cena inusitada da cidade de Jardim-CE, localizada na região do Cariri. A cena foi registrada por mim, Acácio Morais, estudante de jornalismo, pesquisador e fotógrafo. A mulher que posa para a foto é Dona Nita Mulata, integrante da Associação Remanescente de Quilombo Serra dos Mulatos (ARQSM) da mesma cidade. Quilombola, mulher, nordestina, mãe, avó, dentre outros marcadores de identidade, Dona Nita é perpassada por símbolos, especialmente na imagem acima. Seu sobrenome “Mulata” já nos leva à imaginação sobre de onde é, onde nasceu, qual o seu lugar, quem ela é.

Alguns fatores são emblemáticos para a construção simbólica que compõem a imagem: o momento, a expressão corporal e os sentidos verbo-visuais representativos. A foto foi tirada em abril de 2020 e registra a vacinação contra a Covid-19 em uma localidade vulnerável socialmente. A pandemia trouxe inúmeras mortes, e, com isso, sobreviver se torna prioridade, sobretudo em locais tais como a citada comunidade quilombola.         

Dona Nita, de máscara, eleva seu punho, gesto de força, performando, com esta parte do corpo, um sentido marginal sinônimo de resistência e luta. O poder performático que a imagem transmite é genuíno, enfático e substantivo, tendo Dona Nita Mulata a representatividade de tantas outras mulheres negras. Levantar o punho, a placa, nos leva a não esquecer a história das nossas e dos nossos, ainda que espalhada por tantos outros territórios de pertencimento.