Por Andressa Yare, Elane Abreu e Joubert Arrais

Dia 20 de novembro de 2019, quarta-feira. Um dia de muitos insights e muitas constatações. O que nos olha é (e) o que nos vê? Na ambiguidade das imagens-corpos, fomos vistos como corpos-imagens buscando visualidades que nos mostrassem esse movimento da consciência negra. A necessidade de demarcar os espaços nos faz retornar ao passado tal como Sankofa – símbolo Adinkra de um pássaro africano olhando para trás -, o “volte e pegue” já não é mais uma tradução, é uma necessidade construtiva da própria imagem a partir da ancestralidade.

Unindo ações/visualidades no Instagram a partir da hashtag #LimboVisualidadesNegras, uma curadoria de imagens tomou as telas e estas culminaram em murais no pátio do campus da UFCA, em Juazeiro do Norte. Estas imagens fizeram emergir corpos-artistas negres, corpos-fotógrafos, corpos-desviantes do normativo, corpos-libertários ousando quebrar paradigmas eurocêntricos impostos, bem como fotografias de pensadoras que movem estruturas ao romper imaginários de branquitude com suas identidades.

Sob o título “Ação Corpo e Visualidades Negras”, parceria do Limbo com Cultura do Movimento/PROCULT, esteve o empenho dos participantes em não deixar “passar em branco” um dia ainda esquecido no calendário universitário. Buscamos dar ênfase à sabedoria negra, às imagens de suas criações e de seus corpos, como bem expressou o videodocumentário Erranças, de Gabriela Santana, e o curta Alma no Olho, de Zózimo Bulbul. Na exibição dos vídeos, vamos da capoeiragem como universo ancestral, de Gabriela, até os limites/expansões do preto-e-branco do personagem mutante, de Bulbul. A imaginação de ambos foi por nós apresentada e experimentada apesar do anonimato e esquecimento a que ficam sujeitas as obras de realizadores negres.

CNmontagem

Em meio ao deslocamento na UFCA, nos vimos no aprisionamento da caixa branca de Bulbul, tentando fugir das máscaras brancas que insistem em permanecer em nossa pele preta, escondendo nossos traços negróides e as raízes que atravessam o existir. Os movimentos de Gabriela já não são apenas movimentos, são sinais de existência e demarcação da África Mãe reconstituída na nossa utopia mental, quando já vivemos uma distopia constante. As fotografias de Zanele Muholi representam o grito engasgado de quem sempre quis falar e foi corrompido pelo silenciamento diário: a homossexualidade é negra e da diáspora também! O corpo-libertário é resistente pela armadura da melanina, então o grito ecoa, sem sussurrar, é canto sem melodia.

Mulheres negras brasileiras como Sueli Carneiro nos ensinam o fundamento de ser. Conceição Evaristo é a escrevivência, é o acalanto de quem costurou a vida com fios de ferro. Tatiana Nascimento, com sua poesia negra, faz transcender a tecnologia ancestral. Cidinha da Silva reescreve com palavras pretas as crônicas da branquitude. A morte-vida de Lélia Gonzalez relembra que nossos corpos fincaram as raízes no contexto de África Brasil. A potência de Carolina Maria de Jesus já não é segredo, é afeto de mãe, é a espera do renascer, é o gosto de ter nascido preta, reluzindo no sol, brilhando na luz do luar, azul mar, negro retinto nagô, pertencimento à terra fértil; Carolina é a voz de todas, e como a mesma dizia: “Se é que existe reencarnação, eu quero voltar sempre preta”.