Rânia, filme de Roberta Marques, ambientado em Fortaleza, é um longa cuja narrativa move temas como sonhos, corpo, mulheres, colonialidade, cidade, dança, dentre outros. A trama de Rânia é conduzida pelo sonho da jovem dançarina – que dá nome ao filme – em mudar sua realidade através da oportunidade de seguir viagem com uma companhia de dança fora do país. A menina-mulher, ao longo da história, protagoniza momentos intensos em que sentimentos de angústia, alegria, coragem e desânimo são conduzidos por uma trilha sonora inquietante, tal como sua vida.
O debate do filme em que o grupo Limbo esteve presente no último 17 de junho, no Cineclube UFCA, foi marcado por algumas questões sugeridas na trama. Uma delas se dirigiu à constituição familiar da personagem: por que Rânia tinha que ser mais responsável que seus irmãos? Por que era cobrada a ajudar a mãe enquanto seus irmãos se isentavam dos afazeres domésticos? Esses desdobramentos em torno do “ser mulher” numa sociedade machista tinham a rebeldia de Rânia como resposta. As aulas de dança eram seu refúgio, sua ligação com o exterior, sua alegria numa rotina dura. Ao mesmo tempo em que a coreografia a nutria de novas vontades, seu corpo também se tornou instrumento de conquista financeira através das apresentações noturnas em uma boate de Fortaleza, administrada por um “gringo”.
Outra relação se desdobra do seu trabalho noturno: o olhar colonial do estrangeiro em terrras cearenses. O dono da boate é um colonizador de corpos, um exemplo ficional do que é factual na composição do mercado sexual de Fortaleza. A adolescente negocia sua dança e seu corpo na noite em nome do sonho de viajar com a companhia da coreógrafa carioca, Estela, mais uma personagem que vem de fora do Ceará para aguçar o desejo com o fora do país. Essas migrações e e/imigrações foram também motivo de parte do debate entre participantes do Cineclube, pois surgiu certa identificação com o desejo de conhecer outros territórios por parte dos cearenses.
A ideia de cidade “globalizada”, sugerida pelo filme, situa Fortaleza como local de atravessamentos identitários, ambiente de experências de consumo trans-territorializadas. Esse debate foi pontuado por diversos momentos da narrativa, como a diversão com a música da Madonna entre Rânia e sua amiga Zizi, bem como pelo anúncio, de um dos irmãos da protagonista, sobre sua partida a trabalho em um cruzeiro. Essas mobilidades, fluidas, instáveis, dão ao filme uma carga interpretativa ampla, muitas vezes permeada por metáforas como o avião, o barco, o mar. A imagem do Mara Hope, navio encalhado no mar do Mucuripe, exemplifica bem um estado poético da própria personagem que, da orla fortalezense, vê seus desejos ora próximos, ora longínguos, banhados na melancolia.
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