Uma imagem pode ser estável? A que tipo de instabilidade estão sujeitas as imagens? Como tomam parte de conflitos narrativos? Em respota a essas questões, foi lançada neste mês de junho a mais nova edição da Revista Logos (UERJ), com dossiê intitulado Instabilidade e conflito das/nas imagens (acesso aqui). O número traz artigos e um ensaio visual, contemplando diferentes pensamentos acerca das modalidades imagéticas, associadas às suas contribuições teóricas e interpretativas. A edição foi realizada pelas pesquisadoras Carolina Libério (UFMA), Elane Abreu (UFCA) e Jane Maciel (UFMA), que expressam no editorial da publicação os desafios e potencialidades movidos pelo tema.
“Quando primeiro lançamos a chamada para este dossiê, no início de fevereiro de 2020, a ideia de uma quarentena global, motivada por um vírus, era ainda uma hipótese distante, um imaginário, para muitos, difícil de se concretizar. E, no entanto, nada poderia surgir de mais emergente como instabilidade e conflito do que a ameaça às nossas vidas. Como atravessar tempos de pandemia em 2020 sem sentir tensões de toda ordem, do assustador aumento de pessoas infectadas e mortas no Brasil à clausura física e mental que se impõe aos corpos que buscam sobreviver? Desafiadas por sentimentos inevitáveis de incerteza e apreensão com o futuro, resta-nos o presente, com todos os seus diminutos lampejos cotidianos, exigindo que confiemos em gestos mínimos de renascimento, de porvir. Em meio a este turbilhão, ainda há todo o repertório midiático da atualidade política, nacional e global, que amplia estes sentimentos e instiga nossa compreensão das imagens do mundo, em choque com nosso imaginário mais íntimo.
As palavras ‘instabilidade’ e ‘conflito’ não são apenas motes para a organização de um dossiê acadêmico, mas perpassam as relações de vida, o que se torna ainda mais premente no nosso tempo de agora. Elas tocam em discursos e afetos que vão além do protagonismo narrativo das imagens ou da relação que elas instauram em nossas existências. Estando imersas na amplitude de uma situação conflituosa e instável, uma pandemia, este número da Logos é fruto de um esforço coletivo de reflexões possíveis, de criar implicações e dedicar tempo/espaço ao pensamento em meio ao fluxo torrente de informações (e desinformações) diárias.
[…] é possível atualizar as ideias de instabilidade e conflito das/nas imagens, que assumem diferentes angulações: nos campos da cultura visual nas redes digitais, em seus conteúdos, plataformas, linguagens emergentes e controvérsias recorrentes; nas formas de expressão audiovisuais em diferentes mídias, desde o cinema, a televisão, as mídias sociais e as possibilidades experimentais de produção e circulação; na contemporaneidade da fotografia, que remete ao dito/visto e não dito/não visto da história coletiva e das subjetivações que nela perpassam. Por sua vez, este dossiê também apresenta um repertório atual de teorias da imagem e da comunicação, bem como de áreas e conceitos transversais, considerando a própria impossibilidade de pesquisar as mídias imagéticas sem recorrer a um leque de saberes híbridos, como elas mesmas são.
Além dos catorze artigos, apresentamos nesse número o ensaio visual ‘Sapatona‘, da artista maranhense Gê Viana (@indiioloru). Convidada para apresentar uma amostra do seu trabalho artístico que oscila entre fotografia, colagem, muralismo, dança e performance, Gê invoca a ancestralidade negra e indígena, a subjetividade lésbica, as presenças marginais no espaço urbano e as resistências dos modos de vida periféricos – física e existencialmente – da civilização dita moderna. Apresentá-la neste dossiê é um convite às/aos leitoras/es a conhecer mais de seu trabalho e de toda rede transportada por ele. Na série ‘Sapatona’, destacamos a disputa instaurada nas imagens em busca de uma visibilidade para casais lésbicos, que perpassa também a desfragmentação e o questionamento dos padrões visualmente construídos de relacionamentos cis-heteros, presentes nas fotografias que servem como base e que são remontadas e ressignificadas pelo processo de colagem da artista. A escolha desta série também toma como ponto de inflexão a ideia de que a tensão e instabilidade podem ser construídas pela via do amor. Tensionar uma imagem não se resume a gestos de destruição, mas, e principalmente nesta obra de Gê Viana, pelo caminho da imaginação e reconstrução ativa de outras visibilidades.
Imaginar outros mundos e narrativas possíveis, para além do questionamento dos clichês e estereótipos imagéticos presentes, aí está uma tarefa que segue e seguirá sendo urgente”. (As editoras)
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