Por Acácio Morais
Às vezes não nos questionamos o porquê de estarmos – ou não – em determinados espaços. Talvez isso ocorra pelo fato de: a) deixamos nossos olhos vendados, e por isso naturalizamos; b) há um processo histórico e social que permite a delimitação de determinados espaços; ou c) ambos acima fazem com que os espaços sejam coercitivos socialmente. Politicamente falando, a hegemonia sempre esteve ligada ao espaço, ou vice-versa, pois a coerção é um tipo de hegemonia e que acaba por influenciar o espaço, chegando ao ponto final deste “ciclo”, que somos nós, afetados por tal coerção.
Essa influência espacial vem se delineando e sendo questionada por meio, sobretudo, dos movimentos sociais, sejam de protestos, encontros, festivais etc. A marginalidade, enquanto margem social, estabelece provocações para o irrompimento destas ações coercitivas, que fazem dos espaços, especialmente os públicos, lugares detentores de poder. Nisso, é importante pensarmos nas seguintes indagações: para que serve o espaço público? E para quem ele serve? O espaço público é mesmo público? Em tempos de pandemia, parece-nos ainda mais imperativa esta questão, quando somos privados da livre possibilidade de ocupar espaços, de podermos encontrar uns aos outros no “público”.
O emblemático documentário do rapper, cantor e compositor brasileiro, Emicida, intitulado “AmarElo: É tudo pra ontem”, retrata e exemplifica estas reflexões acerca dos espaços públicos, quando mostra que o MNU (Movimento Negro Unificado) nasceu das escadarias do Theatro Municipal, monumento histórico da cidade de São Paulo e socialmente elitizado, tornando o público voltado apenas para uma parte hegemônica da população da cidade, enquanto o restante, não pertencente a este grupo, permanece nas beiradas. Nessa mesma linha, temos na região do Cariri o Memorial Padre Cícero, imponente construção com poder histórico, religioso e simbólico, em que margens ainda não podem adentrar seu âmago. Porém, ao lado deste prédio robusto e de forte presença espacial, há pichações, lambes e grafites, e como, se não bastasse, ocorrem, ao seu redor, movimentos como piqueniques de cunho social, batalhas de rap e shows que fazem parte de expressões e movimentos marginais.
Ambos exemplos acima nos fazem refletir que, apesar das repressões espaço-sociais, as margens falam em suas redondezas e que, mesmo não sendo ouvidas no centro dos monumentos, elas não cessam seus fluxos. Corpos, linguagens e estéticas são a tríade que compõe o espaço. Ao falarmos de marginalidades, estamos falando de sujeitos que fazem da sua margem algo que revoluciona e torna fluido o centro, sujeitos que existem enquanto ocupação das bordas do poder hegemônico. O/a sujeito/a marginal conhece seu espaço e apenas ele/a consegue moldar, falar e mudar, através de seus anseios e ações, o poder intercambiável e comunicante do “público”.
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