Por Samira Salyorania Ribeiro de Souza
No contexto do evento XVI Artefatos da Cultura Negra: Movimento Sankofa — Reparação e Bem-viver, a mesa Raça, Gênero e Sexualidade: um debate necessário trouxe à tona discussões urgentes sobre como nossos corpos, identidades e experiências são atravessados por sistemas de opressão e por potências ancestrais de resistência.
Com participações significativas como a de Alan Belizário, a mesa lançou luz sobre os caminhos impostos pela sociedade, os estereótipos que moldam subjetividades e os limites enfrentados por pessoas negras e LGBTQIAPN+ em seus processos de construção de identidade. A partir da provocação foucaultiana “De que maneira nossos corpos narram quem somos?”, foi possível refletir sobre o corpo como arquivo vivo de cicatrizes, afetos, marcas e vivências.
A conversa apontou que gênero e sexualidade não são categorias isoladas, mas se entrelaçam com outras opressões estruturais, como o racismo e o classismo, reforçando a importância da interseccionalidade, conceito articulado por feministas negras como Kimberlé Crenshaw e bell hooks e Carla Akotirene. Essa perspectiva amplia o entendimento de que os sistemas de dominação não operam de forma isolada, mas se cruzam, se sobrepõem e se alimentam mutuamente.
Um momento importante durante o debate foi a fala de Elane Abreu, que trouxe a frase “Exu te ama”, resgatando a importância de Exu enquanto força que rompe com o moralismo cristão colonizador. A evocação da criação de Exu e da encruzilhada como símbolo e conceito mostrou como saberes afro-diaspóricos oferecem chaves epistemológicas para reimaginar o mundo. A encruzilhada foi apresentada não apenas como lugar físico, mas como operador conceitual: espaço de confronto, trânsito e diálogo entre saberes distintos, revelando possibilidades de reexistência.
Destacou-se também a noção de “Escrevivência”, conceito de Conceição Evaristo, como prática de escrita que nasce da experiência vivida, pelo corpo, especialmente de mulheres negras. Escrevivência não é apenas relatar a vida, mas viver a escrita como forma de resistência, afirmação e cura.
A centralidade do conceito Sankofa que ensina que “não é tabu voltar atrás e recuperar o que foi esquecido” permeou toda a mesa. Reivindicar o passado, a ancestralidade e os saberes situados na experiência é fundamental para construir um projeto coletivo de bem-viver, onde justiça, afeto e liberdade sejam possíveis para todos os corpos.
Este debate reafirma a urgência de repensar as estruturas sociais que moldam nossas existências, e convoca todos a caminhar por novas trilhas, guiados pela ancestralidade, pela escuta atenta e pela coragem de transformar.
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