Em meio à “balbúrdia” associada às universidades federais, o Limbo se reuniu neste 14 de maio em atividade de pesquisa para extrair símbolos, representações visuais, cores e tons narrativos destinados à criação de um grafite que comunique a memória de remanescentes do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, município do Crato, Ceará. Foi o segundo dia dedicado ao exercício criativo-metodológico lançado pela pesquisadora Kelsma Gomes, que desenvolve pesquisa de mestrado em Comunicação na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e tem a contribuição do grupo para elaborar imagens a partir dos relatos de sobreviventes ou familiares que tiveram laços com a experiência messiânica do beato José Lourenço, no Cariri.

Kelsma, no primeiro encontro com o grupo, compartilhou seu estudo sobre o massacre histórico do Caldeirão, ocorrido na década de 1930, deixando centenas de mortos na comunidade erguida sob o tripé “trabalho, disciplina e oração”. O líder da comunidade, José Lourenço, em terras ofertadas por Padre Cícero, cultivou um território baseado na partilha, na colheita, no bem comum da “roça”, na reza, sendo este modelo de vida comunitária, em tempos de seca, um paraíso para muitos, mas perseguido pelo Estado e dizimado pelo tom “comunista” que apresentava. O beato, negro e de voz marcante, como ressaltado pelas narrativas das remanescentes, era homem da fé popular, dos benditos e dos rosários. As Marias entrevistadas por Kelsma dividem lembranças ora pesarosas, ligadas ao ataque de granadas vindas do céu, atiradas pelos aviões, ora narram as bonanças e fartura do Caldeirão, um oásis em pleno sertão nordestino.

A continuidade da proposta metodológica no segundo encontro se direcionou ao destaque das principais imagens narradas pelas remanescentes. Um panorama de detalhes – figuras, objetos, elementos da natureza, personagens, símbolos, cores –  foi extraído dos discursos por cada um dos presentes, que, em folha em branco, ensaiaram desenhos em preto e coloridos. Percebeu-se a necessidade da inclusão de pequenos fragmentos de texto, como forma de criar uma associação mais direta com o Caldeirão por parte de quem vê e pensando no objetivo de se estabelecer uma comunicação da memória do acontecimento mesmo para quem o desconhece.

A contribuição do Limbo em forma de discursos, imagens e rabiscos foi enriquecedora enquanto experiência, processo criativo e pensamento das imagens por meio da memória oral. Episódios como o do Caldeirão, da forma como trabalhamos pela pesquisa de Kelsma, fortalecem a compreensão do Cariri pelos atravessamentos histórico-culturais, estéticos e comunicacionais, sendo um dos propósitos centrais da atuação do grupo. As vozes do passado, em breve, estarão presentes nas paredes da UFCA, em Juazeiro do Norte, compondo testemunho, superfície de registro, camada de inscrição e exposição, pelo tempo que durar, de um Caldeirão comunicado em grafite.