Por Acácio Morais Silva, Eduarda Vitória Romão dos Santos e Geneuza Muniz de Souza

O XI Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra, que aconteceu de 21 de setembro a 2 de outubro de 2020, nos trouxe discussões que são sempre necessárias. Uma das mesas que nos chamou atenção foi “O pensamento de bell hooks”, autora que, além das mulheres negras, fala de uma estrutura social de raça e gênero que são inseparáveis para ela. Parte do fato de ser uma mulher e negra e, a partir dessa experiência, coloca-se nos seus textos para explicar diversas questões complexas do gênero, raça e classe. Questiona se o feminismo abarca mesmo as demandas de todas as mulheres. Um aspecto abordado da obra da autora foi também sobre o amor, um sentimento que vai além de um modelo romântico.

A  mesa “Racismo cotidiano e saúde mental: vulnerabilidades e resistências” foi outro momento notável, por estarmos passando por situação de muita fragilidade com o genocídio da população negra e pobre.  Discutiu-se muito nessa mesa sobre a ideia de saúde e bem viver,  partindo de uma perspectiva da saúde fragmentada como algo eurocentrado e restrito a alguns grupos privilegiados. Quando se analisa os dados sobre o acesso a políticas de saúde mental no Brasil, a população negra é a que menos têm acesso, pois existem condicionantes sociais que levam essa população a viver em um contexto mais precário. Ter acesso a uma saúde mental de qualidade está diretamente ligado às divisões de classes sociais e portanto deve ser algo pelo qual se lute, para ocupar espaços e existir.

A mesa “Negro (a) e professor (a): as implicações raciais na docência” discutiu sobre como as pessoas negras relatam seus traumas em monografias, dissertações e teses, e principalmente na educação básica. Segundo a professora Iracema Nascimento (USP), ainda é bastante precário o combate ao racismo na educação básica. Refletiu-se também sobre as cotas, sobre como as pessoas negras ainda são minoria no ambiente acadêmico e são diminuídas em seus estudos e suas pesquisas por serem vistas como incapazes. Os docentes ainda ocupam espaços muito pequenos e é necessário que todos os docentes se comprometam com uma educação antirracista, inclusive os que não são negros.

O monólogo “Limões Ensolarados”, encenado pelo artista, professor e pesquisador Leonardo Alves, relatou os sentimentos da negritude brasileira frente às histórias da pele: preconceitos raciais, padrões sociais impostos e os privilégios dos brancos. A não aceitação da sua cor e o não reconhecimento da sua etnia, causados por estereótipos preconceituosos, são um dos problemas ocasionados pela supremacia branca, ao ditar o padrão estético aceitável da sociedade. Tais problemas ainda são banalizados e consequentemente invisíveis aos olhos do homem branco, mas sentidos na pele de quem os sofrem.

A branquitude também detém um espaço considerável na psicologia, legitimando a sua supremacia nesses ambientes.  Na mesa redonda “Juventude negra e protagonismo digital”, um dos temas debatidos foi a questão da parcialidade e da predominância da psicologia européia elitizada. Com isso, viu-se que um olhar mais amoroso à imagem refletida era necessário para manter a saúde mental e mudar a forma de pensar o cuidado, já que, segundo as estatísticas, a maioria dos suicídios é de jovens negros, o que torna prioritário incluir pensamentos e estudos de profissionais negros nesse âmbito. Ademais, os negros nunca foram bem acolhidos, a exemplo do negro da favela, visto sempre com maus olhos ao chegar num lugar de elite e tachado por marginal, distanciando ainda mais a possibilidade de uma mudança.

Essa ausência de avanço no combate a preconceitos raciais vem se naturalizando desde a educação básica.  Na mesa redonda “Branquitude, Branquitude infantil e a Branquitude no Ceará” foi possível observar essa naturalização ao comparar o tratamento das crianças brancas e das crianças negras dentro das escolas. A perda da identidade negra originada na infância, causada pela preferência dos alunos brancos; a falta de incentivo dos professores com esses alunos, o menosprezo e os privilégios que tem uma etnia sobre a outra definem o tabu de que o branco é a regra.

“Estou voltando onde minhas raízes não foram diluídas, crescendo como uma árvore Baobá, da vida em solo fértil, ancestrais me colocaram no jogo(…)”. Neste trecho de Black Parade, Beyoncé consegue expressar a ligação que pessoas negras têm com seus ancestrais, tendo os Baobás como representações. Falar sobre o evento Artefatos da Cultura Negra é, acima de tudo, falar diretamente com o solo fértil onde cresce esse Baobá, estabelecendo o afeto, o momento, o quilombo, ainda que virtual.

O aprendizado adquirido ao longo dos doze dias do evento foi, sem dúvidas, enriquecedor. Nomes importantes para o entendimento acerca de diversos olhares da negritude, além da escuta de mestres e doutores negros, nos fazem repensar o lugar em que estamos e aonde podemos chegar. “Somos potências criativas”, como diz a professora Vera Rodrigues, a qual tivemos a honra de ouvir numa das diversas mesas redondas. É preciso que a população negra se veja nessa imagem de potência, principalmente de si mesmos.

Durante o último dia, no Simpósio Temático “Narrativas negras: imagens (enquanto recurso narrativo), oralidades e palavra escrita”, Acácio Morais apresentou o trabalho intitulado “O negro como sujeito comunicante: interlocuções acerca da análise midiática da série Cara Gente Branca”. A primeira experiência de participação no evento, como apresentador de trabalho, foi única para o jovem pesquisador, que declara: “consegui aprender sobre diversos assuntos, por outras perspectivas. O Artefatos da Cultura Negra é algo para ser vangloriado, pois é algo que aprendemos anualmente e não podemos deixar de apreciar o valor simbólico que o mesmo possui, por isso me sinto honrado por ter feito parte deste lindo Baobá. Gratidão!”.

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